Eufémios, Transgénicos e Crespos
Já que toda a gente teve o direito de concluir o que bem entendeu com esta história toda, não quero ser excepção, e é por isso que deixo aqui o meu comentário sobre o “Ataque ao Milho Transgénico” levado a cabo por um movimento... curioso que se intitula de “Verde Eufémia”.
Para começar, cumpre dizer que, no meu entender, não tem qualquer tipo de utilidade saber se o “Gualter” pertence, pertenceu ou pensa pertencer ao Bloco de Esquerda. Isso é totalmente irrelevante. Ele garantiu durante a sua entrevista com Mário Crespo, na Sic Notícias (que aproveitou para lhe dar um bom ralhete) que não tem qualquer ligação ao Bloco, mesmo apesar de o seu nome constar numa lista de apoiantes à candidata do BE Manuela Tavares à CM de Almada, facto de que afirma não ter tido conhecido conhecimento. Tendo pessoas na família que já passaram pela mesma situação (verem o seu nome incluído numa lista de apoiantes a um candidato sem qualquer consentimento seu), acredito na inocência de Gualter Baptista, pelo menos no que diz respeito a este assunto. Quando digo que não tem utilidade sabê-lo, utilizo o mesmo critério que me faz não julgar o PSD inteiro por... Jardim (que chega a envergonhar o José Pinto Coelho do PNR em alguns discursos seus...)
Então, o que é que me parece verdadeiramente grave no meio desta história toda?
A resposta a esta pergunta é curta: parece-me grave que Miguel Portas “apoie”, que Francisco Louçã tenha tido alguma hesitação em condenar o que Daniel Oliveira - por exemplo - se limitou a achar uma acção “injusta e desproporcionada”. Não restam dúvidas de que se tratou de um acto de desobediência civil (eu prefiro chamar-lhe vandalismo). Daniel Oliveira aproveitou, aliás, para “lançar o debate” sobre o recurso à desobediência civil como forma de manifestação, munindo-se de exemplos como o de Martin Luther King ou Gandhi, Não há muitas conclusões a retirar do debate: havendo uma clara afronta aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pode-se justificar – eventualmente – o recurso à desobediência civil. Trata-se de uma questão de ponderação. O julgamento sobre o momento em que existe violação desses direitos deixa, obviamente, alguma margem à relatividade, mas para o caso, em que – objectivamente – não houve violação de direitos nenhuns (nem por parte das pobres espigas de milho, nem por parte do – até podemos admitir - ganancioso agricultor) tratou-se apenas de radicalismo que degenerou em violência (as imagens comprovam-no). Como tal, deixaremos de lado o momento em que Gualter quase insinua que “agiu em nome do interesse público”. Como Gualter deve calcular, existem, actualmente, mecanismos para definir esse interesse público, que mandatam e legitimam serviços do Estado (como a ASAE) para levar a cabo determinadas acções. Como bem respondeu Mário Crespo (apesar de se dispensar o tom paternalista), é fundamentalmente esta a razão pela qual a analogia com as acções da ASAE falha em praticamente tudo – a começar nos pressupostos.
No que toca à leveza com que o BE debateu o assunto, e, ao contrário do que defende Daniel Oliveira, não há qualquer interesse em confundir o Bloco com ecoterroristas. Muito pelo contrário. O interesse mais premente é mesmo separá-lo, já que o Bloco é um partido com assento parlamentar que, antes de mais, devia bater-se pelo cumprimento da Constituição. Razão pela qual não ficava nada mal à própria estrutura do Bloco – no qual Louçã e Portas se incluem – ajudar a defender essa ideia...
Nota: Vale a pena assistir à entrevista do “Gualter”, nem que seja pelo tom de ralhete com que Mário Crespo a conduziu. Discordo em absoluto desta forma de fazer jornalismo, mas não há duvidas de que foi um bom espectáculo...
Li, por sorte e numa das poucas coisas a que (felizmente) tive acesso durante as férias, um artigo dum colunista, cujo nome desconhecia (e, graças à minha memória em "repouso"...continuo a desconhecer) sobre a "desobediência civil". Entre outras coisas, o autor explicava que este conceito adequa-se aos casos em que um cidadão desobedece ao Estado. Ou seja, um agente singular contra o colectivo. Ora, neste caso passa-se exactamente o contrário: o colectivo (verde eufémia) contra o particular (o dono do milho).
Estou longe de ser grande fã do Mário Crespo e ainda menos do jornalismo parcial. Claro que isso não me impediu, por exemplo, de regojizar ao ver a Constança Cunha e Sá encostar o Francisco Louçã às cordas ou, ainda mais, no caso presente. Noutros casos, como no Prós e Contras sobre o "Sargento peternal" em que o advogado do pai biológico foi humilhado pela plateia, sob a batuta da apresentadora, já gostei menos, claro!
A imparcialidade é uma característica fundamental do jornalismo. Contudo, o Jornal das 9 (ou das 10, já não sei), tem a particularidade de diluir um bocado essa condição. Assentar-lhe-ia melhor o nome: "Jornal de Mário Crespo" do que Jornal das 9. Ou seja: bem ou mal, o homem faz sempre isto. (Aliás, já antes nos tinha presenteado com uma fantástica entrevista ao Major Valentim Loureiro)
Posted by José Maria Pimentel | 10/9/07 5:33 da manhã