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De olhos bem tapados

a mesa de cafe

Talvez devesse escrever isto com mais calma e ponderação, mas este assunto tinha-me passado ao lado e, como sabia que tinha de mais tarde ou mais cedo dizer alguma coisa sobre ele, decidi não adiar mais e fazer aqui uma síntese da reportagem que repetiu já por duas vezes sobre um assunto sórdido: “A Lei do véu” em França.
Ora, para alguém que pura e simplesmente não tem e não liga a religião, a atitude mais previsível seria a básica: “Acho muito bem, afinal ninguém é obrigado a suportar com a religião de ninguém…”. Só que a dita reportagem abriu-me um pouco os olhos para a falta de escrúpulos, e diria mesmo mais, de respeito pelas culturas e tradições de outros povos, neste caso por parte dos franceses em relação aos povos árabes e muçulmanos (Uma pequena nota: o Racismo – pelo menos o cultural – repugna-me, e é por isso que tantas vezes me refiro a ele). E não falo de católicos e de cristãos por esta simples razão: um crucifixo escondido atrás de uma camisola não chateia nada. Aliás, um crucifixo pequeno nem se consegue notar no meio das centenas de colares fashion que toda a boa adolescente de 14/15 anos (e mesmo até mais velha) tão pretensiosamente (yes, the magic word) gosta de usar. Este raciocínio poderá parecer um pouco…vazio. Mas, honestamente, não me parece que nenhum bom samaritano se sinta incomodado com esta Lei…Os colégios privados (“Écoles privées sous contrat”) em França são, segundo este site, maioritariamente religiosos, e adivinhem lá: qual será a religião que ocupa a maior fatia? Acertaram, é essa mesma! Pois parece-me que para cumprir rigorosamente a lei, muitos destes colégios ficarão vazios, proporcionando uma visão muito agradável e ainda menos ostensiva: funcionárias nuas! Porque a não ser que todas as devotas senhoras passem a adoptar a camisola de gola alta, uns jeans ou mesmo uma batinha azulada (hipótese que se adivinha pouco provável), terão de andar nuas na presença da inspecção, coisa que a meu ver parece-me que não agradará nada ao Senhor…Só que, curiosamente, parece-me que os secularistas ainda não se decidiram importar muito com isto. Aquilo que, pelos vistos, os incomoda muito, é o seu querido e prezado laicismo ameaçado por uma minoria de alminhas que tão inocente e devotamente vão de hijâb para a escola, com medo que algumas hormonas em ebulição lhes olhem para aquilo que guardam (ou melhor, que os seus pais e Alá guardam) para os seus futuros maridos, que darão certamente continuidade aos “preceitos da decência” nas gerações vindouras. Isto é aquilo que realmente perturba os franceses adeptos do secularismo e o Parlamento – que uma minoria étnica ponha em causa a separação entre Estado e Igreja que proclamam na rua, com cartazes de cartolina.
Só que aos olhos do mais leigo português (ainda por cima português – “Jean Pierre arrête, se não levas nos cornos”), eu não vejo que porra de atentado ou efeito é que possa produzir um ou dois trajes religiosos numa turma. Penso até que há duas leituras possíveis: ou são os árabes, muçulmanos e todos aqueles que vendem relógios e tapetes uns (pronto, mais umas) ingratos(as) em reivindicarem que determinada cultura se molde à sua cultura e práticas religiosas, ou são os franceses que, com patriotismos baratos e uma certa dose de mesquinhice (pela estreiteza de espírito), estão a atentar contra a liberdade religiosa de um povo que deverá ter liberdades e garantias iguais à do povo com berço em França. Ou então, aponto uma terceira hipótese, que é os efeitos que o lema “liberdade, igualdade, fraternidade”, que certamente só existe numa melodia, produz nas cabeças mais desorientadas. Ou seja: se há liberdade para os cidadãos (e se, efectivamente estas minorias são constituídas por cidadãos), não se deveria atentar contra a liberdade destes. Se deve haver igualdade, deverão, suponho, ser todos iguais e, como tal, agarrar no missal, no crucifixo, no Corão ou na Bíblia só para ir à igreja ou à mesquita. Surge ainda um tiro derradeiro, que vem agravar o conjunto antitético, e que é este: se se quer fraternidade (resta saber em relação a quem – Portugal, Reino Unido e Estados Unidos não deverá ser certamente), deverão andar felizes e contentes, proclamando a fraternidade. Só que, infelizmente, parece que nenhum destes três aspectos parece alguma vez ter sido conseguido pelos franceses, coisa que parece ameaçar tudo e todos os que pisem naquele país. A prova disso foi aquele director buçal que, à porta da escola, aquando da entrada da lei em vigor, mandava alunas de outras etnias destaparem as orelhas. Com muito medo, vergonha e humilhação, as pobres lá iam destapando a testa e as orelhas; “Assim até ouvirás melhor…”, diz o director, enquanto esboça um sorriso alarve para a equipa que o ajudava nesta tarefa, igualmente alarve. Honestamente, a reportagem impressionou-me – boas alunas que desistiram, no último ano, do secundário e que, segundo elas, nunca arranjaram problemas na escola e tiram boas notas, que se sentem postas de parte e esmagadas…esmagadas por um pomposo e áspero termo que dá pelo nome de secularismo…

A mim só me choca quando as crianças são obrigadas a usar véu. Existe objectivamente alguma maneira de o impedir? Uma coisa são costumes - devem ser respeitados e apoiados - frutos de uma livre opção, a outra é uma obrigação e humilhação da mulher enquanto tal. E, obviamente, não adimito que a segunda situação se dê com a larga maioria da população árabe.

Pedro

PS- "(...) qual será a religião que ocupa a maior fatia? Acertaram, é essa mesma! Será mesmo a cientologia? Não sabia que estava tão implatada na França...

A questão aqui não está na obrigação ou não de usar o véu... Está antes na liberdade de decisão.
Certamente que, quando estão nos seus países de origem, muitas vezes com culturas retrógradas, muitas orientais são forçadas a usar o véu, por costumes e tradições que, a meu ver, não se justifica. Só que, quando vão para outro país, quando são emigrantes, é natural que queiram preservar os traços da terra natal e aí, o véu deixa de ser um símbolo de discriminação sexual/submissão/opressão e passa a ser uma marca que define as origens e as culturas da mulher... Logo, na terra natal como no país de acolhimento, a utilização do véu deveria ser uma questão de escolha.

A questão é saber se se justificará para elas, Alice, que mostres a testa e as orelhas...Se é que isto alguma vez chega a ser uma questão que pode ser "justificada". Muitas das que foram entrevistadas sentiam realmente vergonha, é como se andassem despidas. Algumas até tinham pais que lhes davam liberdade para tirarem o traje, de modo a que não fossem prejudicadas nos estudos, e rejeitavam, só por sentirem que a lei é profundamente injusta...

Um pouco mais de prosa:
Schools managed under the aegis of the National Education Ministry may be public or private. The private sector educates approximately 15% of primary school and 20% of secondary school pupils, percentages which have remained stable over the past decade. The bulk of private schools are Catholic, having contracts with the State (which inter alia pays their staff salaries).

Exacto! Mas o que me parece é que no seu cerne a lei é preconceituosa: parte do pressuposto que todas as alunas estariam a ser obrigadas. E não estão, de facto. Contudo, o que me preocupa é as que são, as que não são livres. Há algo para fazer por elas? Esta lei não é a solução, não serve. Mas...

Pedro

De notar que o cerne da lei não é uma suposta "libertação" mandatória das mulheres árabes a residir em França. Para esse efeito seria muito mais eficaz a simples proibição do véu islâmico.
O espírito da lei francesa prende-se com a noção de estado laico e, mais estritamente, com a função do espaço escolar no contexto desse estado laico. Assim, considera-se a exposição de qualquer tipo de adereço religiosamente identificatório como um atentado ao estabelecimento de uma "escola laica". Escusado será dizer que sou frontalmente contra esta lei. A ideia de um estado liberal que regula por decreto o vestuário dos adolescentes é-me...hmm... repugnante.
Considero-a um forte retrocesso civilizacional. Isto para além de ser eminentemente ridícula.

«Assim, considera-se a exposição de qualquer tipo de adereço religiosamente identificatório como um atentado ao estabelecimento de uma "escola laica"»
Lá está...assim, até um simples fio com uma cruz é proibido... resta saber se o conceito "estado laico" significa: a proibição de todas as religiões ou se, pelo contrário, permite a coexistência em igualdade de todas as religiões... Pessoalmente sou favorável à segunda...

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