"A negação do prazer é a negação da vida"
Proponho uma discussão acerca da relação entre as religiões (em geral) e o prazer, partindo deste texto do filósofo Friedrich Nietzsche:
Uma obrigação para com Deus: esta ideia foi porém o instrumento de tortura. Imaginou-se Deus como um contraste dos seus próprios instintos animais (do homem) e irresistíveis e deste modo transformou estes instintos em faltas para com Deus, hostilidade, rebelião contra o «Senhor», «Pai» e «Princípio do mundo», e colocando-se galantemente entre «Deus» e o «Diabo» negou a Natureza para afirmar o real, o vivo, o verdadeiro Deus, Deus santo, Deus justo, Deus castigador, Deus sobrenatural, suplício infinito, inferno, grandeza incomensurável do castigo e da falta. Há uma espécie de demência da vontade nesta crueldade psíquica. Esta vontade de se achar culpado e réprobo até ao infinito; esta vontade de ver-se castigado eternamente; esta vontade de tornar funesto o profundo sentimento de todas as coisas e de fechar a saída deste labirinto de ideias fixas; esta vontade de erigir um ideal, o ideal de «Deus santo, santo, santo», para dar-se melhor conta da própria indignidade absoluta... Oh, triste e louca besta humana!
A que imaginações contra natura, a que paroxismo de demência, a que a bestialidade de ideia se deixa arrastar, quando se lhe impede ser besta de acção!... Tudo isto é muito interessante, mas quando se olha para o fundo deste abismo, sentem-se vertigens de tristeza enervante. Não há dúvida de que isto é uma doença, a mais terrível que tem havido entre os homens e aquele cujos ouvidos sejam capazes de ouvir, nesta negra noite de tortura e de absurdo, o grito de amor, o grito de êxtase e de desejo, o grito de redenção por amor, será presa de horror invencível... Há tantas coisas no homem que infundem espanto! Foi por tanto tempo a terra um asilo de dementes!·
Friedrich Nietzsche, in 'A Genealogia da Moral'
Uma obrigação para com Deus: esta ideia foi porém o instrumento de tortura. Imaginou-se Deus como um contraste dos seus próprios instintos animais (do homem) e irresistíveis e deste modo transformou estes instintos em faltas para com Deus, hostilidade, rebelião contra o «Senhor», «Pai» e «Princípio do mundo», e colocando-se galantemente entre «Deus» e o «Diabo» negou a Natureza para afirmar o real, o vivo, o verdadeiro Deus, Deus santo, Deus justo, Deus castigador, Deus sobrenatural, suplício infinito, inferno, grandeza incomensurável do castigo e da falta. Há uma espécie de demência da vontade nesta crueldade psíquica. Esta vontade de se achar culpado e réprobo até ao infinito; esta vontade de ver-se castigado eternamente; esta vontade de tornar funesto o profundo sentimento de todas as coisas e de fechar a saída deste labirinto de ideias fixas; esta vontade de erigir um ideal, o ideal de «Deus santo, santo, santo», para dar-se melhor conta da própria indignidade absoluta... Oh, triste e louca besta humana!
A que imaginações contra natura, a que paroxismo de demência, a que a bestialidade de ideia se deixa arrastar, quando se lhe impede ser besta de acção!... Tudo isto é muito interessante, mas quando se olha para o fundo deste abismo, sentem-se vertigens de tristeza enervante. Não há dúvida de que isto é uma doença, a mais terrível que tem havido entre os homens e aquele cujos ouvidos sejam capazes de ouvir, nesta negra noite de tortura e de absurdo, o grito de amor, o grito de êxtase e de desejo, o grito de redenção por amor, será presa de horror invencível... Há tantas coisas no homem que infundem espanto! Foi por tanto tempo a terra um asilo de dementes!·
Friedrich Nietzsche, in 'A Genealogia da Moral'
Não me leves a mal, Alice, o facto de sentir uma tremenda necessidade em ficar calado. Para mim, conhecer-se um filósofo não se resume ao acto de apreender aquilo que um idiota debitou numa enciclopédia. Exige leitura…muita leitura… (ou estudo, no caso de quem teve oportunidade – apesar de termos ficado apenas com umas luzes mínimas dos autores que estudámos este ano – falo do meu caso).
Digo isto porque com Kant, por exemplo, aprendi a ver um pouco para além do texto, coisa que só me foi permitida com algumas explicações. Para me poupar a escrever comentários estupidamente ocos para quem conhece minimamente a obra de Nietzsche, prefiro reduzir-me à ignorância – talvez este tenha sido um bom ensinamento socrático…
Prometi a mim mesmo que estas férias desbravava “A Origem da Tragédia”, mais que não seja para compensar o custo que este livro implicou (para mim e para metade da turma), apesar de não ser necessário por não serem essas as obras que demos.
Bem, mas Nietzsche (e de uma maneira geral, todo o filósofo do pensamento moderno) é sempre necessário a alguma cosa…E acredito que para quem esteja informado acerca do tema e do autor em questão, esta seja uma excelente discussão…
Boa sorte!
Posted by António Pedro | 22/6/05 9:50 da tarde
A escolha deste texto deriva de uma discussão com uma professora de filosofia acerca do binómio religião/prazer na qual me foi apresentado este filósofo. Aprendi as bases da sua ideologia logo, não tenho pretensões de discutir Nietszche. Apenas recorri a um texto dele para iniciar o debate de uma questão que também ele coloca...
Posted by Alice | 22/6/05 10:08 da tarde
Ora, ora... se só se falasse do que sabemos o que seria dos programas sobre futebol?
Quanto ao texto em questão devo confessar que nunca tinha lido mas é, honestamente,uma óptima escolha. Óptimo texto, mesmo.
Mas estou como o António, não tenho mesmo nada de relevante a acrescentar por isso acho que o melhor será permanecer calado.
Se tiver tempo coloco aqui um excerto de Maugham exactamente sobre a questão do prazer e como ele guia, ou não, as nossas acções.
Mas quanto a Nietzche os meus favoritos são mesmo "O Anticristo" e "O Crepúsculo dos Deuses". Provocador, misógino, xenófobo e requintadamente... mau. É impossível não gostar.
Posted by João | 22/6/05 10:43 da tarde