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Enquanto me sento a escrever isto...

a mesa de cafe

O país arde e com ele arde a comunicação social, a escaldar de contentamento pelo fétido material novelesco que muito profissional e eticamente reproduz todos os dias à mesma hora. Isto é, a avidez de audiências continua a falar mais alto, e não há reunião de directores de informação que produza algum efeito enquanto o interesse não for informar, no sentido mais restrito da palavra, mas sim captar a atenção do telespectador, que assiste a um telejornal como quem assiste a um programa de entretenimento, de cabeça esvaziada – porque lho é permitido; porque não é preciso pensar. Os telejornais são, sem dúvida o espelho da conduta de um canal. Provam que a televisão portuguesa tem uma característica particular, que a faz diferir de muitas outras: dispensa que se pense.
Confrontei-me com a ideia de ter um fogo muito perto de casa e, como estava de férias, a reacção mais natural foi a de tentar procurar informações nos telejornais. Comecei pela RTP, que iniciou o Jornal da Noite com fogos noutras zonas, o que me obrigou a mudar para a SIC. Aqui, e apesar de mais moderadas, as imagens apareciam como num verdadeiro filme de acção, com labaredas filmadas de diferentes planos e com jornalistas no terreno que pouco mais dizem para além daquilo que conseguiram arrancar do Comandante dos Bombeiros – isto é, dão a informação que realmente interessa; quando se esgota o assunto, entram em monólogos que, escutados com atenção, podem provocar o riso, apesar, obviamente, do assunto ser sério, e do ar melancólico do jornalista que, quase em verso, vai esbatendo impiedosamente a fronteira entre a informação – que conseguiu transmitir em 45 segundos – e a stand up tragedy, encomendada provavelmente pelo director de informação – que dura uns bons 5/6 minutos.
Quando finalmente acaba o sketch, (uma pequena nota: noticiar é o acto de “(…)dar notícias, dar a conhecer assuntos de interesse(…)” – sim, assuntos de interesse, não dotes dramáticos de jornalistas que erraram na profissão. Posto isto, parece-me que chamar a estes curtos teatrinhos notícias é o mesmo que chamar ao 24h jornal.) sobe ao palco o próximo actor, desta vez em Castelo Branco, ou terra parecida. Mudo de canal para a TVI e é aí que realmente me apercebo do que é explorar o assunto ao máximo. Imediatamente imagino Mário Moura (director de informação da TVI) sentado à mesa com os seus jovens pupilos, (que conseguiram provavelmente uma almofada quentinha na redacção da TVI graças ao tio) a estudarem o guião de cada notícia: “Vão rodar a cena numa mata ardida. Enquanto ela desce lentamente pela colina, vai tentar verter uma lágrima, enquanto declama Florbela Espanca: ”No entanto fogo, que lavas, a montanha”
Mas aqui ainda só conceberam o drama. O filme de acção requer preparação. Espanta-me como é que JEM ainda não colocou umas gruas com câmaras nos vales que ardem para filmar todo espectáculo, em 35mm. Uma banda sonora do Toy e está perfeito.
No entanto, enquanto só trabalha com os meios que tem à sua disposição para gravar estas novelas, limita-se a fazer uns genéricos que passam sempre que vai começar a enxurrada de pseudo-informação, assim com umas palavras que vão aumentando e desaparecendo: “Pânico”, “Caos”, “Tragédia”, “Drama”, tudo com um cenário de incêndio por trás. Seguidamente, aparece um grupo de idosas, vestidas de negro e em pranto, a descerem a rua, enquanto gritam: “Ai a minha casinha!”, “Ai que fiquei sem nada!”. Claro está que o javardo do repórter não perde a oportunidade de ir a correr para as senhoras para imediatamente lhes colocar uma série de questões extremamente oportunas: “Então e…ficou sem nada?” (etc.). Finaliza com um pedido, o de deixar uma mensagem ao governo, que costuma ser como quem diz…para acabar em beleza: a pièce de résistance.
Mas afastando o modo insultuoso como a TVI faz aquilo a que chama jornalismo (ninguém me convence que eles não têm uns estúdios atrás onde gravam aquelas cenas em que o repórter tosse com o fumo – atenção, estou a brincar), apenas me preocupa o que realmente emerge desta catástrofe anual: o país que se vende à clientela do costume, o país ávido e ganancioso. O país que faz com que o povo não acredite nem no Governo (nem no Estado já), nem na política, nem na polícia, nem nos médicos – às vezes nem já nos bombeiros. Um país que não acredita em nada. Em nada. Um país que está vendido a gente mesquinha, que procura simplesmente o mais cómodo para si, que não olha a meios para atingir fins. Um país de espertos. Não de inteligentes, de espertos.
Uma legislação que proibisse qualquer tipo de actividade num terreno ardido durante, pelo menos, os 200 anos subsequentes ao incêndio, era uma boa solução. Só que isto é um ciclo vicioso, que faz Portugal parecer Marrocos, ou outro qualquer país em que estas coisas não acontecem simplesmente – são a base de todo o sistema. Para uma legislação deste tipo fazer efeito, era preciso fiscalização. E as fiscalizações em Portugal são tão prestáveis…Um apartamento para si e para a família. É quanto basta para derrubar a fiscalização. Sim, meus amigos. O País está ingovernável…


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