É frequentemente divulgada a ideia de que o ressurgimento das tradições académicas está conotado com os saudosistas do antigo regime. De acordo com alguns depoimentos que tive oportunidade de recolher, esta foi uma ideia que os grupos mais radicais de esquerda, por não concordarem com a reimplantação da praxe académica, tentaram passar de início (e que algumas facções mais radicais de alguns partidos políticos de esquerda continuam a tentar perpetuar), contestando com violência – física, em muitos casos – as acções dos “restauradores”. Lembremo-nos que este foi um tempo de forte - e necessário - activismo político, em que era socialmente inaceitável não se estar ligado a nenhum movimento associativo. De resto, e de acordo com esses mesmos depoimentos, é mesmo verdade que muitos dos que se esforçaram por reimplantar a praxe académica estavam ligados a sectores considerados “de direita”, mas, e é preciso dizê-lo, numa altura em que não apoiar os partidos de esquerda era considerado ser-se fascista, logo, “de direita”. Mas não é verdade que tenham sido estes os únicos a esforçar-se por recuperar estas tradições. Ainda maior é a distância que vai desta sectorização à recuperação do Fado de Coimbra. É João Moura, um dos grandes impulsionadores e dinamizadores da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra que no-lo diz: “(...) Fui Pyn-Guyn de 1976 a 1978 e era frequente ser mobilizado para tocar guitarra e acompanhar o fado nos serões da República dos Pyn-Guyns. Alguns antigos repúblicos tornaram-se visitas frequentes fazendo questão de cantar um fado ou uma balada. Tomei então consciência de que algo estava errado, pois a grande maioria dos repúblicos estavam fortemente conotados com os sectores mais esquerdistas da Academia e no entanto reviam-se no culto da guitarra e do fado. Muitos serões eram passados com debates acalorados sobre este tema e era opinião dominante que a guitarra deveria estar acima de qualquer tentativa de instrumentalização e das guerras políticas entre os vários sectores da Academia...”
Um dos meus intérpretes/ compositores preferidos de Fado de Coimbra completaria, se ainda fosse vivo (morreu estupidamente jovem, aos 40 anos), ontem, dia 16 de Outubro, 65 anos. Chama-se Adriano Correia de Oliveira. É autor, a par com Manuel Alegre (que compôs os poemas), de músicas de intervenção fabulosas, como é o caso de “Capa Negra, Rosa Negra” ou “Trova do Vento que Passa”. O que distingue Adriano Correia de Oliveira de outros fadistas é que a sua obra não se circunscreve – estando muito longe disso, aliás – ao Fado, sendo dos artistas que mais fez pela música portuguesa no último século (a par, talvez, com Zeca Afonso que, tal como Adriano, também interpretou Fado de Coimbra).
Combatendo o esquecimento em que este artista infelizmente caiu, a Movieplay portuguesa editou recentemente um disco que contou com a participação de diversos artistas (desde Vicente Palma, filho de Jorge Palma a Valete, passando por Tim ou até pelo ex-vocalista dos “Ornatos Violeta”, Nuno Prata) que recriaram livremente alguns dos temas mais conhecidos de Adriano, como “Trova do Vento que Passa” ou “Fala do Homem Nascido”. Infelizmente não foram incluídos dois: “Capa Negra, Rosa Negra” e “Sapateia”, bem emblemáticos da voz de Adriano Correia de Oliveira, que, como diz Manuel Alegre, insistia “em cantar sempre uma oitava acima”.
Fica a singela e merecida homenagem, e a pena imensa de nunca poder ouvir semelhante voz ao vivo, quem sabe nas escadas da Sé Velha...