Um bom mau artesão
a mesa de cafe
O Sr. Silva sempre foi conhecido pelo seu temperamento duro e determinado. Como que por carinho, os amigos (que não abundavam) sempre lhe disseram que era brilhante naquilo que fazia, embora todos os outros, talvez por inveja, achassem que o Sr. Silva não era assim tão bom. Talvez fosse porque o Sr. Silva deixava sempre os sapatos mal remendados, para que os clientes tivessem que lá voltar, gastando às vezes mais em arranjos do que aquilo que originalmente tinham pago pelos sapatos. Era esperto, o Sr. Silva. Um dia, soube que o sapateiro da sua zona tinha fechado, talvez por doença. Quanto aos do bairro vizinho (com quem cultivara sempre grandes inimizades), não se preocupava, porque não tinham condições de o enfrentar (um estava demasiado velho – apesar de os que conheciam o seu trabalho não o acharem; o outro só engraxava, e o outro era conhecido na zona por arranjar os sapatos baratos, mas não tinha grande jeito). Nesse dia, o Sr. Silva, ao se aperceber que era o sapateiro na zona a que as pessoas mais iriam recorrer, abriu uma garrafa de vinho ao jantar, e ofereceu um vestido à mulher, por sinal horrendo (não que fizesse mal, a Sra. Silva também não se sabia vestir) – afinal, o Sr. Silva não era alfaiate, nem tinha jeito para o tecido. Aquilo que o Sr. Silva sabia mesmo fazer era arranjar sapatos. Nem uma gota de gosto, de tacto, de sensibilidade. Só o frio couro, o cabedal, a pele. Nada mais.
(Inspirado no texto “O Invergável”, do “Mar Salgado”)
O Sr. Silva sempre foi conhecido pelo seu temperamento duro e determinado. Como que por carinho, os amigos (que não abundavam) sempre lhe disseram que era brilhante naquilo que fazia, embora todos os outros, talvez por inveja, achassem que o Sr. Silva não era assim tão bom. Talvez fosse porque o Sr. Silva deixava sempre os sapatos mal remendados, para que os clientes tivessem que lá voltar, gastando às vezes mais em arranjos do que aquilo que originalmente tinham pago pelos sapatos. Era esperto, o Sr. Silva. Um dia, soube que o sapateiro da sua zona tinha fechado, talvez por doença. Quanto aos do bairro vizinho (com quem cultivara sempre grandes inimizades), não se preocupava, porque não tinham condições de o enfrentar (um estava demasiado velho – apesar de os que conheciam o seu trabalho não o acharem; o outro só engraxava, e o outro era conhecido na zona por arranjar os sapatos baratos, mas não tinha grande jeito). Nesse dia, o Sr. Silva, ao se aperceber que era o sapateiro na zona a que as pessoas mais iriam recorrer, abriu uma garrafa de vinho ao jantar, e ofereceu um vestido à mulher, por sinal horrendo (não que fizesse mal, a Sra. Silva também não se sabia vestir) – afinal, o Sr. Silva não era alfaiate, nem tinha jeito para o tecido. Aquilo que o Sr. Silva sabia mesmo fazer era arranjar sapatos. Nem uma gota de gosto, de tacto, de sensibilidade. Só o frio couro, o cabedal, a pele. Nada mais.
(Inspirado no texto “O Invergável”, do “Mar Salgado”)