Reciprocidade e Bom Gosto
Muitas linhas têm sido escritas acerca de uns polémicos crucifixos cuja existência foi descoberta em algumas salas de aula num interior refundido (pelo menos foi o que entendi). Quanto a mim, o problema aparenta ter uma solução bem simples: cumprir ou fazer cumprir a Constituição. Ela existe para alguma coisa. Mas, como aparentemente os ditames constitucionais já não parecem ter grande relevo, com umas revisões absurdas aqui e ali, ou mesmo com outras formas de assassínio de normas fundamentais na diferenciação deste país de um outro qualquer terceiro-mundista, há outras soluções para este caso. Ricardo Araújo Pereira apresenta, na sua crónica semanal na “Visão”, uma bem plausível, que passo aqui a transcrever. Também explica esse carácter de tradição cultural que os mais saudosos gostam de imprimir à coisa:
“(...)Pessoalmente, acho bem que as salas de aula das escolas públicas tenham um crucifixo. Por mim, até podem ter um altar inteiro, todo em talha dourada. Com uma condição: que as igrejas passem a ter um quadro negro. Parece-me que é o mínimo de reciprocidade que se pode exigir. Se os alunos da escola pública têm aulas com o crucifixo na parede, não vejo por que razão o padre, na missa, deve estar isento de, antes da eucaristia, escrever o sumario, a giz, no quadro: “ Continuação do sumário da eucaristia anterior. Saudação e adoração do Senhor. Leitura dos salmos 71, 107 e 144. Deglutição da hóstia.(...)”
“(...)E mais: é preciso não esquecer que o crucifixo, mais do que um símbolo religioso, é um símbolo civilizacional. O que ali está, afixado nas paredes das nossas escolas públicas, faz parte de uma tradição cultural. É verdade. Pelo menos, se a definição de “tradição cultural” for: “prática imposta por Salazar através de uma lei de 1936 (lei essa em que também ficou definido o organismo que viria a ser conhecido por Mocidade Portuguesa) em que o Estado Novo estipulou que cada escola teria, por detrás da cadeira do professor, um crucifixo.” Se assim for, então é mesmo uma tradição cultural. E das mais bonitas...”
“(...)Pessoalmente, acho bem que as salas de aula das escolas públicas tenham um crucifixo. Por mim, até podem ter um altar inteiro, todo em talha dourada. Com uma condição: que as igrejas passem a ter um quadro negro. Parece-me que é o mínimo de reciprocidade que se pode exigir. Se os alunos da escola pública têm aulas com o crucifixo na parede, não vejo por que razão o padre, na missa, deve estar isento de, antes da eucaristia, escrever o sumario, a giz, no quadro: “ Continuação do sumário da eucaristia anterior. Saudação e adoração do Senhor. Leitura dos salmos 71, 107 e 144. Deglutição da hóstia.(...)”
“(...)E mais: é preciso não esquecer que o crucifixo, mais do que um símbolo religioso, é um símbolo civilizacional. O que ali está, afixado nas paredes das nossas escolas públicas, faz parte de uma tradição cultural. É verdade. Pelo menos, se a definição de “tradição cultural” for: “prática imposta por Salazar através de uma lei de 1936 (lei essa em que também ficou definido o organismo que viria a ser conhecido por Mocidade Portuguesa) em que o Estado Novo estipulou que cada escola teria, por detrás da cadeira do professor, um crucifixo.” Se assim for, então é mesmo uma tradição cultural. E das mais bonitas...”
Yap, isso da tradição cultural era o que eu dizia num dos comentários de resposta ao Zé!
Mas enfim, isto quem não é de Direito não percebe o significado de fazer cumprir a Constituição ;-)
Posted by Mariana | 11/12/05 8:15 da tarde
Epah... eu não quero andar aqui a pregar sempre as mesmas tretas, correndo o risco de me tornar numa espécie de missionário voluntarista desta discussão mas, como já disse nos comentários do post do Mestre, acho que se anda mesmo a tentar criar clivagens ideológicas onde elas não existem. Interpretações constitucionais incluídas. Contra mim falo que continuo para aqui a responder...
O problema da tradição cultural seria realmente muito interessante de discutir mas... se calhar noutra altura!
Posted by João | 11/12/05 10:49 da tarde
O texto ta brilhante, quer seja a altura certa pa se falar nisso ou não! Mas também me ocorre...por é que não falar agora do assunto? Porque estamos a roçar as presidenciais? Eu pergunto-me se alguma vez estivemos "na altura ideal"... Concordo, caro João, quando diz que se estão a "criar clivagens ideológicas onde elas não existem"...por isso mesmo, tirem "a cruz" e nao se fala mais nisso!
Posted by Passepartout | 12/12/05 12:04 da manhã
A questão é esta: a lei não ordena (como antes) que se ponham os ditos crucifixos na parede! Agora, se as pessoas ficam felizes, porquê retira-los? Só para as chatear? E, além disso, a constituição diz que Portugal é um estado laico, entre outras coisas, não proíbe que eventualmente possa haver símbolos religiosos em algumas escolas. Mas muito bem, se tanto vos faz feliz: Tirem-nos!
Posted by José Maria Pimentel | 12/12/05 12:41 da manhã
Raciocínio:
Laicização: Separação entre Igreja e Estado.
Crucifixo – Igreja; Escola Pública – Estado
Crucifixos nas Igrejas, e não nas Escolas.
É simples, não é?
Posted by António Pedro | 12/12/05 12:53 da manhã
Oh Zé, mas a questão que foi levantada é que as pessoas não estão felizes (daí as queixas) e os crucifixos estão a ser retirados por isso mesmo e não para chatear como disseste! Quem chateia, volto a repetir, são os católicos fanáticos que põem entraves à retirada!
Posted by Mariana | 12/12/05 9:17 da manhã
Mariana, aqui entre nós, estou mesmo a ver a tua extrema preocupação com o mal-estar das pessoas...coitadinhas!
Bem, mas a parte disso, o que eu condeno não é que se retirem esses crucifixos qu incomodam as pessoas. Agora, daí a ir já a correr retirar todos os crucifixos em Escolas do país, já me parece bem diferente. Não é que ache mal, só acho inútil.
Posted by José Maria Pimentel | 12/12/05 10:50 da manhã
A meu ver, trata-se de tirar os crucifixos e não nos chatear-mos mais com isso. Não creio que a ordem para os retirar seja "tirar para chatear", mas também me parece um exagero insinuar que há um "fanatismo católico" por trás disto...
Posted by Passepartout | 12/12/05 1:01 da tarde
Mariana, aqui entre nós, estou mesmo a ver a tua extrema preocupação com o mal-estar das pessoas...coitadinhas!
?!
Sim, Zé, na verdade, eu como esquerdalha extremista, não vejo nada à frente a não ser a necessidade de incomodar tudo e todos que se oponham no meu caminho. Daí defender a retirada dos crucifixos apenas e só para aborrecer a Igreja, tens razão. E já agora, para que saibas, eu seria uma das pessoas que sentiria "mal-estar" e "preocupação" caso tivesse aulas numa sala com um e que apresentaria queixa. Tratam-se de valores, Zé, e se o teu raciocínio simplista de que toda a gente que os defende o faz para contrariar quem os tem diferentes não te deixa ver isso, então lamento, mas o coitadinho és tu.
Posted by Mariana | 12/12/05 1:56 da tarde
pelo menos na minha escola n ha stress, temos crucifixos na sala e quadro negro na capela!
as freiras são a p*** da loucura
Posted by Anónimo | 12/12/05 7:21 da tarde
Mariana, apelo ao teu Sentido de Humor para perceberes que eu estava a brincar contigo. Mas deixa estar, não é a primeira vez que isto me acontece... Mas eu não desisto! :)
Quanto ao tema, eu não sou contra a retirada dos símbolos religiosos, até posso concordar. O que eu digo é que é uma inutilidade e mais um daqueles temas que nós, portugueses, gostamos muito de moer e remoer, quando, em fim de contas, não tem interesse nenhum! Mas isto é, claro, a minha opinião. Reconheço que posso estar a ser pragmático demais, o que pode também ser mau.
Ah, e, sinceramente, desculpa se te ofendi, não era de todo a minha intenção! (esta frase não tem um único grão de ironia)
Posted by José Maria Pimentel | 13/12/05 1:08 da tarde
Luísa, eu sei que há muitos católicos que não são como os fanáticos de que falei e que não tentam impor a crença deles a ninguém (aliás, viu-se, por exemplo, pelo comentário do Gil que ele, mesmo sendo católico não se opõe à retirada dos crucifixos, posição que, pelo que vejo, tu partilhas). Eu, quando falei em fanáticos, estava-me a referir às pessoas que telefonam indignadas para os foruns TSF ou para o Opinião Pública e que já tive oportunidade de ouvir a defenderem acerrimamente a permanência dos tais crucifixos nas escolas e a insinuarem até que quem defende a sua retirada o faz por puro ataque à Igreja, ainda por cima neste período simbólico que é o Natal. Ora, esse não é o meu caso e o que me irritou nos comentários do Zé foi ele dar a entender que achava que era :P
Zé, eu comecei por comentar o teu post e rebater a tua ideia de que é uma inutilidade falar sobre este tema. De facto, é sim, pois parece-me óbvio que os crucifixos devem ser retirados (nem deviam lá ter sido postos, mas enfim...) e ponto final e o assunto ficar por aí. Mas não ficou, pois tivémos uma onde de (pesudo) católicos fervorosos que se opunham à sua retirada e assim surgiu o debate. Então, acho muito bem que se debata até que se possam esclarecer as partes de que a decisão do Ministério foi apropriada e justa e que é assim que as coisas se têm de processar. Porque esta questão prende-se com valores, que são a base de qualquer sociedade. Daí eu achar que até é mais importante discutir estas coisas que o estado da economia ou o orçamento de estado ou algo assim, porque se fores ver, muitos dos problemas com que a nossa sociedade se depara prendem-se com os valores e atitudes das pessoas. E, para mim, resolvê-los e ir ao âmago da questão é falar deles.
E eu não fiquei "ofendida" pelo que disseste, mas davas a entender no teu comentário que eu estava a contestar a tua opinião apenas por contestar e por mania de ser do contra e não porque acreditasse mesmo no que estava a dizer, o que não é verdade. Só isso.
Posted by Mariana | 13/12/05 7:12 da tarde
não resisti a meter um artigo de há duas semanas na "única" do expresso, a propósito da retirada dos crucifixos.
Carlos Cruz vai ter de arranjar outro apelido
Código da Estrada: sinal de entroncamento muda desenho
Cruzinhas douradas ao pescoço passam a dar multa
Expressões como "cruzes canhoto" banidas da língua portuguesa
Associação de Pais: "!Se pusessem o cristo vestidinho se calhar n era preciso tirá-lo das paredes"
Festa das Cruzes, de Barcelos, vai ter de mudar de nome. Ou de país.
(Peço desculpa se acabei de ferir qualquer tipo de susceptibilidades)
Posted by Anónimo | 13/12/05 11:01 da tarde
Luísa e Zé, sobre os tais católicos fanáticos de que eu falava, leiam isto:
http://dn.sapo.pt/2005/12/12/internacional/direita_religiosa_americana_denuncia.html
Posted by Mariana | 14/12/05 12:45 da tarde